domingo, 26 de agosto de 2012

PoemaCine

Sempre me intrigaram as relações entre poesia & cinema. Revendo a experiência do “poemecine” de Man Ray tive alguns lampejos.
Em L’Étoile de Mer  (1928), Ray dá livre curso às imagens oníricas do poema homônimo de Robert Desnos - que inclusive figura no filme como ator. Os versos filmados ganham uma visualidade muito diferente das letras estáticas impressas no papel. Sente-se a influência do roteiro para peça teatral La Place de l’etoile, de Desnos. O encontro insólito de personagens em devaneio inconsciente coaduna com o encontro entre poesia, teatro e cinema. Chama atenção o efeito de lente que Ray utiliza para assemelhar as imagens a pinturas em movimento.
É um poema-cinema não só por utilizar um poema como disparador. É poético pela irrupção de imagens ao acaso, despidas de qualquer foco narrativo convencional. É linguagem do inconsciente que transborda num fluxo incontido de associações inusitadas. O fato de grande parte do cinema atual se ater à narrativa linear e ao vaivém de tramas e personagens, o coloca muito próximo da linguagem da prosa.
E Ray não para por aí. São frequentes as esculturas em dança, deixando antever perspectivas inesperadas – especialmente no jogo de sombras que costuma utilizar. Outras vezes são sombras distorcidas e a dança veloz de objetos que dão efeitos vertiginosos – aqueles mesmos que Stan Brakhage iria trabalhar mais tarde, já com a efusão de cores, muito influenciado pelo amigo e poeta Michael McClure.
O que parecia impulsionar o experimentalismo do cinema de Ray é o escorrer de imagens em movimento, que permitiam relações inusitadas entre poesia, teatro, fotografia, pintura, escultura e dança. Se coloca todas linguagens em movimento também as retira dos redutos fechados da fragmentação das expressões artísticas em especialidades. O que importa é mesmo o potencial das imagens que desconhece os limites da expressão, conduzindo a uma combinação incandescente que revela novas possibilidades de criação.

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